Como não sou um crente nessa defesa hipócrita dos que assumindo crítica, se gostam de definir como não alinhados ou neutrais, deposito desde já aqui as minhas crescentes simpatias pela causa monárquica, sobretudo quando os que a defendem clamam por um mais do que justo referendo e que este aconteça após um correcto, longo e frutífero período de discussão pública e reflexão sobre o que queremos desta nação com mais de oito séculos de história.
Assinalam-se os cem anos do golpe republicano que derrubou a monarquia em Portugal.
O ancient regime de então estava claramente em contagem decrescente para o seu fim, mas para mal crescente deste nosso pequeno país, o que se seguiu obriga-nos a reflectir profundamente sobre o que tem sido a governação lusitana.
Apregoam-se as virtudes da República (e concordo que possui muitas) mas deita-se ao conveniente esquecimento o atroz desempenho político que a 1ª República ostentou e que levou ao caos emergente que serviu de pretexto para o golpe militar de 28 de Maio de 1926, inaugurando os 40 anos de limbo ditatorial em Portugal.
E veio a revolução. Com ela, mais do que os cravos, a esperança de que a nova república conduzisse o país ao desenvolvimento, com este alicerçado numa profunda revolução educacional e cultural.
Justiça seja feita. O país cresceu, evoluiu, modernizou-se, abriu fronteiras, mentalidades e revelou, aqui e ali, alguma ambição concreta de se tornar um pedaço da Europa com padrões de vida dignos dessa presença geográfica no continente modelo da contemporaneidade.
Mas os pecados dos dezasseis anos republicanos do início do século passado voltaram e em força.
Nos últimos anos, as lutas políticas revelam muito da falta de sentido de estado e de talento de uma alegre maioria que pulula pelos corredores ministeriais ou parlamentares.
Depois, bem, depois é esta sensação de que enquanto o país caminha para mais uma bancarrota (seria a oitava da sua história), os iluminados que assumem o leme (praticamente sem excepções) actuam como o proprietário abastado que já tudo vendeu mas continua a agir como se assim não fosse.
Depois, o que deve pensar o comum cidadão de um país em que, em vez de ser um ou outro negócio público a apresentar leves suspeitas de uma qualquer irregularidade, sejam praticamente todos a merecerem parangonas jornalísticas, processos judiciais (convenientemente passíveis de demora longa e arquivamento salvador…) e uma desavergonhada e presunçosa arrogância por parte de quem nos governa de caminhar sobre as águas turvas que queria como se estas fossem cristalinas?!
E sem louvor excessivo a trocadilhos constantes, Diz-me o meu Eu que se não fosse como é (e eu gosto que o meu Eu seja assim…), então optaria eu por deixar crescer em mim um Eu falho de escrúpulos, compensando com incremento constante de um cinismo galopante que me permitisse ser louvavelmente oportunista neste paraíso laico republicano em que estamos mergulhados.
Como o país vai, talvez não seja má ideia que a crescer o mastodôntico mastro para a bandeira da República, que alguém percebe que lá deva flutuar a simbologia de um aglomerado empresarial qualquer, um desses que vai comprando o país a talhões, gozando da subserviência de quem nas funções de governação, renega o serviço do público para se servir do poder!
Se para o poeta maior, a nossa pátria é a língua portuguesa, para os que nos conduzem para mais um beco sem saída, a pátria, um dia destes, é a Mota-Engil e a nossa bandeira poderá ostentar orgulhosamente a sina do capitalismo selvagem.
Aguardo expectante a presença no pano desfraldado da simbologia motivadora que recolheremos de um contentor engalanado com um traço contínuo e a beleza emanada de um bela cor de fundo saída do betão!
CARDÁPIO DA SEMANA:
1 Livro: “Sou o último Judeu – Treblinka (1942-1943)”, de Chil Rajchman.
1 CD: “Quiet Letters”, dos Bliss.
1 DVD: “Casablanca”, de Michael Curtis.